domingo, 6 de janeiro de 2008

MORTE NO FUNERAL

Frank Oz já tem garantido seu espaço na memória de todo bom cinéfilo pelo seu desempenho como um dos personagens mais marcantes do cinema hollywoodiano: é dele a voz de Yoda, o sábio mestre jedi de frases invertidas da saga STAR WARS. Mas além de dublador (nos seus créditos aparecem participações em filmes como ZATHURA e MONSTROS S.A. e em séries como VILA SÉSAMO e OS MUPPETS), Oz é um cineasta de extenso currículo, responsável por sucessos como NOSSO QUERIDO BOB e OS PICARETAS e fracassos como A CARTADA FINAL e MULHERES PERFEITAS. E depois desse último desastre, que quase acabou com a carreira de Nicole Kidman, decidiu se refugiar na Inglaterra para dirigir uma legítima comédia britânica de baixo orçamento, sem grandes astros, porém com um humor muito mais corrosivo e sarcástico, mas, ainda, contando com um previsível final feliz, mesmo que às avessas. E ele até que se sai bem!

Após a morte do pai, Daniel (Matthew MacFadyen, de ORGULHO & PRECONCEITO) tem como principal preocupação realizar um serviço fúnebre à altura. Mas ele não tem somente isso em mente: há o que fazer com a mãe, os anseios da esposa que quer se mudar e o irmão (Rupert Graves, de V DE VINGANÇA), famoso romancista, que está vindo dos Estados Unidos para a ocasião. E, claro, em receber bem todos os parentes que também devem marcar presença para um último adeus.

Entre estes está a prima decidida em se casar com o namorado, mesmo contra a vontade do pai. E, para acabar com o nervosismo do rapaz, que irá enfrentar o futuro sogro, ela lhe dá uns tranquilizantes pegos ao acaso na casa do irmão, que estuda farmácia. O que ela não sabe é que aqueles comprimidos não são calmantes, e sim ecstasy. Com isso dá pra se ter uma idéia do que o coitado irá aprontar durante a cerimônia, de alucinações sobre sons vindos de dentro do caixão até terminar completamente nu desfilando pelo telhado da casa!

Mas a maior confusão estará representada por um ilustre desconhecido - um anão (Peter Dinklage, de O AGENTE DA ESTAÇÃO). E ele está ali por um motivo que provocará choque e surpresa: ele era amante do falecido! Portado de fotos que comprovam a relação homossexual paterna que ninguém desconfiava, ele exige fazer parte daquela união familiar - caso contrário seu silêncio até poderia ser providenciado, mas a um alto preço!

Confusões, desentendimentos, trapalhadas, enganos e outros previsíveis clichês do gênero "reencontro de família" estão presentes. O que fará o diferencial é a forma impiedosa como eles se apresentam: praticamente ninguém chegará ao fim desta reunião ileso, sem que sua honra - ou mesmo crença - seja abalada. Com um elenco bastante coeso e com um bom timing para este tipo de comédia, um roteiro bem estruturado e sem vergonha de usar suas próprias obviedades a seu favor, Frank Oz consegue voltar a um gênero que domina com precisão (é dele também o ótimo - e superior - SERÁ QUE ELE É?), confrontando preconceitos e verdades absolutas com graça e ironia. E o resultado, apesar de pouco memorável, acaba sendo melhor do que se poderia esperar.

Death at a Funeral, EUA/Reino Unido/Alemanha/Holanda, 2007
(nota 6,5)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO

Cate Blanchett e Judi Dench são duas das maiores atrizes da atualidade, e disso ninguém tem dúvida. Portanto, quando surgiu a notícia de que elas estariam juntos num mesmo filme, como não deixar as expectativas subiram nas alturas? E NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO, o resultado deste encontro, é uma grata surpresa - mesmo que, infelizmente, provoque alguma decepção. Mesmo assim, o resultado geral justifica qualquer lamentação, e qualquer deslize é ínfimo e não chega perto de marcar negativamente o trabalho impecável das duas - ambas, felizmente, indicadas ao Oscar.

Primeiro, fui ler o livro. Best seller de Zöe Heller, foi lançado no Brasil com o título ANOTAÇÕES SOBRE UM ESCÂNDALO, pela Editora Record. Aliás, este é um hábito que tenho, sempre procuro pautar minhas leituras em futuros lançamentos cinematográficos. E o livro é... MUITO BOM! Muito bom, mesmo! Conta, com riqueza de detalhes, a história de uma professora que entra numa escola inglesa com a missão de ensinar artes. Ela tem pouca experiência, e acaba criando uma amizade com uma das mais antigas professoras do lugar, uma solteirona que se encanta com a atenção recebida e passa a desenvolver um interesse "especial" pela nova colega, numa fixação que combina atração sexual com extremos de carência. Porém este desejo logo se transforma em revolta quando descobre o tal "escândalo" do título: a novata acabou tendo um caso com um dos alunos, um garoto de 15 anos. Na posse deste segredo, passa a manipular a 'amiga' para obter dela tudo que deseja: carinho, dedicação, companheirismo. Porém, num passo em falso, coloca tudo a perder numa tentative fútil de vingança. E, com tudo revelado, terá que agir com cuidado para manter o que havia "conquistado" até então.

A adaptação de Patrick Marber (autor de CLOSER-PERTO DEMAIS), num roteiro indicado ao Oscar, e a direção de Richard Eyre (dos ótimos A BELA DO PALCO e ÍRIS), respeitam rigidamente a estrutura do romance, porém preferem centrar a atenção nos desempenhos irrepreensíveis das atrizes do que na ação discorrida. Ou seja, esta é a maior falha da versão cinematográfica: sua pouca duração (são apenas 90 minutos) para um drama que discorre por quase 400 páginas literárias. Os eventos inevitavelmente terminam por se atropelarem, e o espectador, ainda mais aquele que desconhece a trama previamente, deve ficar com algumas questões mal resolvidas em mente - dados estes que estão no livro, e não na tela.

Mas, ao assistir a um filme, devemos pensar nele enquanto obra cultural independente, e não ligada a uma outra fonte, seja ela uma peça teatral, um fato real, uma música, uma notícia de jornal ou, claro, um livro. E, enquanto produto cinematográfico, NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO é, sim, acima da média. Só pela trilha sonora de Philip Glass (KUNDUM), também indicada ao Oscar, já valeria o ingresso. Mas o maior mérito é mesmo conferir Dench e Blanchett, no auge de suas formas, dando vida a duas personagens complexas, interessantíssimas e bastante singulares. Cada meio olhar, cada movimento no cabelo, cada roçar de dedos... tudo tem relevância na atuação delas. Na festa do Oscar, Judi enfrentou um peso-pesado (a fabulosa Helen Mirren, por A RAINHA), mas ver Blanchett perder sua estatueta para a impactante, porém melhor cantora do que atriz, Jennifer Hudson (DREAMGIRLS), me remete a quando Catherine Zeta-Jones (CHICAGO) ganhou o Oscar que deveria ter sido de Meryl Streep (ADAPTAÇÃO). São estrelas da vez, que acabam por obscurecer trabalhos superiores, porém encarados de forma mais "convencional". E injustiças assim não são excessões, e na história do maior prêmio da indústria cinematográfica mundial elas se repetem com uma freqüência muito maior do que gostaríamos. E não há nada a ser feito a respeito, além de alertas como este.

NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO pode ser um pouco apressado, deixando alguns elementos no ar, mas é um impactante estudo sobre a solidão humana, e como tal deve ser percebido. Com duas fantásticas atrizes à frente do elenco, é daqueles filmes que merecem ser vistos com carinho e muita delicadeza. Pode não ter ganho nenhum dos quatro Oscars a que concorria, mas certamente irá ganhar um espaço importante entre outros iguais, como o perturbador O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? e o belo AS HORAS.

Notes on a Scandal, Reino Unido, 2006
(nota 8,5)





quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!

EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! tinha tudo para ser o filme mais homofóbico e preconceituoso do ano. Afinal, a trama não é das mais "iluminadas". Senão, veja bem: dois bombeiros - uma das profissões que mais "povoam" o imaginário gay - decidem se casar, apesar de serem heterossexuais, apenas para que um deles consiga benefícios do governo. Como são vítimas de suspeita, precisam fingir que são homossexuais apaixonados, abusando de todos os clichês e estereótipos do gênero. Sim, está tudo lá, por mais previsível e bizarro que possa parecer. Mas, mesmo assim, o resultado não é dos piores, e no final o que acaba prevalecendo é a mensagem de tolerância e respeito, uma discussão sempre saudável de ser levantada.

O maior medo nem era o tema em si, mas nas mãos de quem ele estava depositado. Afinal Adam Sandler - assim como Jim Carrey ou Will Farrell, por exemplo - pode até ser um bom ator em projetos "sérios" (como no surpreendente EMBRIAGADO DE AMOR), mas o humor que emprega nas comédias é, via de regra, escrachado, pastelão e ofensivo. Este mesmo tom também se faz presente aqui, mas de modo muito mais leve, e ainda assim dentro de um propósito, visando a transformação dos protagonistas.

Sandler faz o machão conquistador que teve sua vida salva em trabalho pelo colega e por isso acaba aceitando o pedido maluco. Kevin James (HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO) é viúvo e com duas crianças para criar. Como não está conseguindo incluir os filhos no plano de saúde, descobre que a maneira mais fácil para que isso aconteça é se casando novamente - e daí a idéia de chamar o amigo. Já a estonteante Jessica Biel (O ILUSIONISTA) é a advogada chamada para ajudá-los na defesa, ao mesmo tempo que, mesmo sem saber, estará atrapalhando os planos dos dois, já que vira objeto de desejo do mais assanhado. Aos poucos o falso casal gay vai se envolvendo no mundo gls, e neste processo se vê - e juntamente o espectador - superando as falsas idéias pré-concebidas, descobrindo uma nova realidade e adquirindo uma sensibilidade até então insuspeita.

Se Dennis Dugan provavelmente nunca será um diretor de renome (é responsável por filmes como O PAIZÃO e OS ESQUENTA-BANCOS) e os dois protagonistas não inspiram muito respeito, há três outros nomes que nos fazem repensar qualquer opinião apressada sobre EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!. Primeiro é o do roteirista Alexander Payne, vencedor do Oscar por SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS e diretor de obras elogiadas como AS CONFISSÕES DE SCHMIDT e ELEIÇÃO. Ele é o principal crédito por trás do enredo do filme, tendo escrito a maioria dos diálogos e o argumento inicial. Isso indica a natureza da trama, que mesmo coberta por piadas rápidas e visuais, é dotada de uma profundidade razoável. E por fim tem-se a dupla Richard Chamberlain (ator de PÁSSAROS FERIDOS) e Lance Bass (cantor do grupo N'Sync), duas celebridades que há pouco se assumiram como homossexuais e atualmente são ativistas gls. Suas participações são pequenas, mas elas certamente não teriam se envolvido neste projeto caso considerassem ofensivo e contrário a uma causa que tanto defendem.

E, acima de tudo, é importante ter algo em mente: EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! é uma comédia feita para grandes públicos. Assim sendo, é até louvável perceber como consegue escapar da superficialidade que impera neste gênero, mesmo que atingindo suas intenções originais. Tanto que somou mais de US$ 117 milhões somente nas bilheterias norte-americanas. E se o sucesso popular estiver acompanhado de uma lampejo de mensagem contra a discriminação e a favor das diferenças, já é ótimo. Mesmo que seja com a cara do Adam Sandler à frente do elenco!

I Now Pronounce You Chuck and Larry, EUA, 2007
(nota 6)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

THE BUBBLE

Tocante e cruelmente verdadeiro. Assim pode ser definido THE BUBBLE, longa dirigido pelo israelense Eytan Fox, o mesmo de YOSSI & JAGGER (que, no Brasil, recebeu o absurdo título DELICADA RELAÇÃO). O filme é um "Romeu e Julieta" gay entre um morador de Tel Aviv e um palestino que está ilegalmente na cidade israelita. Os dois se apaixonam quase que instantaneamente, mas a relação entre eles tem tudo para não dar certo: a distância geográfica, os conflitos políticos e religiosos, a pressão familiar, as rígidas regras da sociedade. O modo como cada um irá tentar e conseguir - ou não - superar estas dificuldades é que faz desta jornada cinematográfica uma experiência tão gratificante.

Tel Aviv é conhecida como "A Bolha" justamente por sua habilidade de reproduzir entre seus habitantes uma vida minimamente normal, mesmo estando situada bem no centro de um verdadeiro caos político-religioso-social. E bem no meio deste "universo paralelo" moram juntos, no mesmo apartamento, Noam (Ohad Knoller, de DELICADA RELAÇÃO), um vendedor de discos, Yelli (Alon Friedman), que ganha a vida como gerente de um café, e Lulu (Daniela Virtzer), vendedora de cosméticos. A história começa no último dia de serviço militar de Noam, quando ele encontra, pela primeira vez, Ashraf (Yousef "Joe" Sweid), um rapaz que tentava cruzar a fronteira. Já em casa, feliz por estar de volta ao lado dos amigos, é surpreendido quando bate a sua porta justamente Ashraf, que está à procura de um lugar para ficar. Os dois acabam conversando, se entendendo, e o que começou como um flerte se transforma num abrigo político, para só depois virar romance.

O mais interessante em THE BUBBLE é como, apesar da aparente previsibilidade da trama, somos impactados com cada nova situação do enredo. E também com a capacidade do diretor em combinar, de forma tão delicada, extremos até então inconcebíveis: guerra e amor gay, protesto e Bebel Gilberto (a cantora brasileira é constante na trilha sonora), respeito às tradições e raves com música eletrônica, a vida num grande e moderno centro urbano com costumes históricos. E o maior mérito aqui são os próprios personagens, todos dotados de vida, sentimentalmente profundos, verossímeis em suas intenções e iniciativas. Os diálogos soam naturais e envolventes, conduzindo o espectador ao lado dos acontecimentos, que deste modo adquirem nova importância diante nossos olhos.

THE BUBBLE é um filme que, mais do que assistido e reverenciado, merece ser sentido, da forma mais íntima que a expressão pode ter. E se o final incomoda, é justamente por ser absurdamente real. Não é um romance hollywoodiano de conto de fadas e cor de rosa - é, sim, o amor duro e contemporâneo, que surge mesmo nas condições mais improváveis, e que apesar de tudo luta para encontrar seus meios de expressão. Mesmo que estes não sejam os mais razoáveis, são, porém, os únicos naquele horizonte. E se merecem ser alterados, cabe a cada um a responsabilidade pelo mundo em que vivemos e pelo estado em que ele se encontra. Afinal, intolerância não é explicitada só em grandes atos ou decisões, mas principalmente dentro de nossas casas, no calor da cama e quando estamos mais entregues do que nunca. Justamente quando somos mais verdadeiros.

The Bubble, Israel, 2006
(nota 8,5)