domingo, 23 de março de 2008

UM AMOR DE TESOURO

Mais uma comédia romântica chegando aos cinemas. E o que UM AMOR DE TESOURO tem de especial em relação às anteriores? Absolutamente NADA! É mais do mesmo, sem sombra de dúvidas. Então, por que assisti-la? Bem, talvez você não tenha nada melhor para fazer. Talvez já tenha visto todos os outros filmes em cartaz. Ou talvez queira somente ver Matthew McConaughey sem camisa. Em qualquer um destes casos, apesar de todos os elementos contrários, uma coisa é certa: você irá se divertir!

A trama não poderia ser mais básica: tesouro secular perdido no Caribe é perseguido por casal em crise. Na cola deles há um milionário entediado, uma pseudo celebridade em busca de ação, um rapper fora-da-lei e o antigo mentor do mocinho. Muita gente pra pouca coisa a ser feita. O que acontece, então? Muitos têm pouco tempo em cena - como o ótimo Ray Winstone (OS INFILTRADOS), aliás, o que ele faz aqui? - enquanto outros ficam andando de um lado para o outro como se estivessem literalmente perdidos - caso de Donald Sutherland, o pai de Kiefer Jack Bauer Sutherland, que deveria se concentar mais nos ótimos papéis que tem recebido na televisão (Commander in Chief, Dirty Sexy Money) e esquecer de vez o cinema. Para nós, espectadores, resta se divertir com o casal de cozinheiros gays (dá-lhe estereótipo, mas enfim...) ou com os protagonistas, McConaughey e Kate Hudson, que já haviam provado terem química de sobra juntos no inferior COMO PERDER UM HOMEM EM DEZ DIAS, e que demonstram claramente estarem aproveitando cada momento de sol, mar e alegria do set de filmagens!

UM AMOR DE TESOURO recicla vários outros sucessos recentes, a começar, claro, pela trilogia PIRATAS DO CARIBE (algumas seqüencias são idênticas a outras vistas em O BAÚ DA MORTE, o segundo filme da série). O diretor Andy Tennant mostra que tem algum domínio do assunto (no currículo do cara estão HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO, DOCE LAR e ANNA E O REI), apenas se preocupando em criar espaço para seu elenco brilhar. E já que não chega a atrapalhar, já saímos ganhando. É assumidamente cinema-pipoca, e talvez justamente por isso, pela baixa expectativa que gera, é que pode acabar ganhando alguns pontos dos desavisados - como foi meu caso. Entrei no cinema não esperando nada, e ainda levei de lucro algumas risadas e duas horas leves e descompromissadas. Não vai mudar a vida de ninguém, mas cumpre à contento o que promete. E honestidade em Hollywood é algo que deve ser levado em conta, sempre. E, claro, não esqueça: McConaughey está sem camisa!

Fool's Gold, EUA, 2008
(nota 6)




quarta-feira, 12 de março de 2008

O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN

O melhor filme do ano! Grande favorito ao Oscar 2006, nominado em oito categorias, entre elas Filme, Direção e Roteiro Adaptado! Campeão de indicações e principal vencedor do Globo de Ouro, premiado nas categorias de Melhor Filme (Drama), Melhor Diretor (Ang Lee), Melhor Roteiro e Melhor Canção Original! Premiado com o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza! Tudo isso, mais quarenta prêmios e outras dezenas de indicações: assim foi o impacto junto à crítica de O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN desde sua estréia, no final de 2006. E o público respondeu à altura – o faturamento só nos Estados Unidos ultrapassou em mais de cinco vezes o orçamento de US$ 14 milhões, baixíssimo para os padrões hollywoodianos. E depois de tudo isso, ‘a pergunta que não quer calar’: o filme justifica todo este estardalhaço? Certamente, e com sobra.

Pra quem não sabe, um resumo básico da trama: dois vaqueiros, Ennis Del Mar (um impressionante Heath Ledger, falecido recentemente e que aqui em nada lembra os tempos adolescentes de CORAÇÃO DE CAVALEIRO e DEZ COISAS QUE ODEIO EM VOCÊ) e Jack Twist (um ainda superior Jake Gyllenhaal, de O DIA DEPOIS DE AMANHÃ e O SUSPEITO, que se entrega com uma intensidade singular) são mandados para a tal Montanha Brokeback do título para uma temporada cuidando de um rebanho de ovelhas. Ambos nos seus vinte e poucos anos, começando a vida adulta, acabam se apaixonam um pelo outro. A relação, a princípio somente sexual, logo se transforma em carinho, solidariedade, amor. Porém estamos nos anos 60 do século passado, e o local é o interior do estado de Wyoming, região e tempo marcado pelo conservadorismo. O que significa que a vida não seria nada fácil para um casal homossexual. Por isso os dois se afastam quando o trabalho termina, indo cada um para um lado com a intenção de construir uma vida “normal”: com esposa, filhos, trabalho e muito tédio e insatisfação. Ambos tentam manter submersos os verdadeiros sentimentos que permeiam suas vidas, mas não são bem-sucedidos. Alguns anos se passam, e o destino tratará de colocá-los novamente lado a lado, para juntos construírem uma história tão íntima quanto universal.

Esta deve ser a primeira idéia a se ter a respeito de BROKEBACK MOUNTAIN: este não é um filme gay, simplesmente. Seu contexto é muito mais amplo e complexo. Trata-se um romance, acima de tudo, com tudo de bom e triste que esta expressão possa acarretar. São duas pessoas apaixonadas uma pela outra e que pela condição em que se encontram se vêem impossibilitadas de ficarem juntas. Poderia ser uma questão racial, de idade, religiosa ou familiar, como tantas outras ocasiões o cinema tão bem tratou de mostrar. Mas não, o foco desta vez é o sexo – no caso dois homens, completamente entregues um ao outro, no amor, na raiva, no sentimento de injustiça e na sensação de não saber qual o melhor rumo tomar. Não que eles não tentem – todos sempre tentam – mas o mundo lá fora é mais forte, ao menos na maior parte do tempo.

Tudo poderia ter dado errado. O diretor poderia não ter sensibilidade suficiente para lidar com o drama que tinha em mãos. O roteiro – baseado no texto de Annie Proulx – poderia abusar da ocasião e explorar outros ângulos mais rasos e menos nobres. Os atores envolvidos talvez não fossem dignos da tarefa a qual foram incumbidos, dotados dos mesmos receios que os personagens vivenciam na ficção. Ou, pior ainda, talvez o próprio mundo – a sociedade, a mídia, a indústria cultural – não estivesse pronto para se deparar com algo aparentemente tão explosivo e polêmico. Felizmente, no entanto, nenhuma destas percepções se confirmou. E o que vemos é um filme romântico, sim, mas que trata de temas identificáveis por qualquer audiência, não importando o sexo, a idade, o credo ou a ideologia do espectador. O necessário, aqui, é se despir de preconceitos e julgamentos cegos e se deixar abrir para uma realidade que nada tem de estranha ou exótica – muito pelo contrário, é, sim, basicamente comum a mim, a você e a qualquer um de nós. A mensagem de O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN é o puro e verdadeiro amor, contado com extrema competência por todos os envolvidos, assumido com coragem pelos talentos responsáveis e entregue com paixão à vida.


Brokeback Mountain, EUA, 2005
(nota 9,5)