Os Beatles talvez sejam uma das referências pops mais influentes do último século. E o cinema faz questão de mostrar o quanto valoriza isso. Ao lado de filmes como YELLOW SUBMARINE e HELP (estrelados pela própria banda) e outros como FEBRE DA JUVENTUDE (que acompanha fãs tentando vê-los em sua primeira visita aos EUA), outras produções - mais recentes, inclusive - se apossam dos significados por eles emitidos em suas canções e letras para criar histórias novas e originais. Assim foi com UMA LIÇÃO DE AMOR, estrelado por Sean Penn e Michelle Pfeiffer e com uma trilha sonora composta apenas por clássicos dos rapazes de Liverpool, agora reinterpretadas numa visão "ano 2000". Mas nenhum foi tão radical quanto ACROSS THE UNIVERSE, um musical original e criativo pontuado apenas por algumas mais belas e envolventes composições de Lennon e McCartney (ops, há uma também do George!). Oferecendo um visual único para muitas destas melodias, o longa ainda consegue proporcionar um divertimento singular e precioso, seja para fãs como também para novatos na "beatlemania".
Jude (o novato e competente Jim Sturgees), filho de mãe solteira, decide deixar Liverpool e seguir para os Estados Unidos tentar a vida e, quem sabe, conhecer o pai, um americano que esteve na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial. Ao chegar seus sonhos mais ou menos começam a se realizar. O pai está longe de ser o herói que imaginava - é o zelador de uma universidade, tem outra família e pouco quer saber sobre o filho que desconhecia. Mas estamos em plenos anos 60, época de revoluções e rebeldia, onde todos se conhecem e são amigos. Logo faz amizade com outro jovem, e com ele decide ir para Nova York explorar o mundo! Nesse meio tempo se apaixona pela irmã do amigo (Evan Rachel Wood, de AOS TREZE), que acaba indo morar com eles numa "república hippie". Mas aquele mundinho ideal em que tudo seria possível aos poucos começa a entrar em conflito com a realidade: guerra do Vietnã, Watergate, Kennedy, passeatas, manifestações, política e luta. E eles precisarão se esforçar para encontrar o lugar deles nesta nova sociedade em formação.
E como este processo é feito? Através de "With a Little Help from my Friends", "Helter Skelter", "If I Fell", "Something", "Strawberry Fields Forever", "Happines is a Warm Gun" e tantas outras memoráveis canções. Se muitas delas irão provocar sorrisos inevitáveis até no espectador mais resistente, é praticamente impossível resistir aos momentos mais fortes do filme: "Come Together", "Let it Be", "Hey Jude" e "All You Need is Love". Ou seja: as letras originais foram muito pouco alteradas, e se encaixam perfeitamente na história que está sendo contada, revelando uma sincronia perfeita entre as mensagens dos quatro amigos ingleses e da visão proposta pela diretora Julie Taymor (FRIDA), uma artista de forte apuro estético e muito bom gosto - mesmo que este em alguns instantes cheguem a ofuscar o desenvolvimento do enredo em prol de uma aparência mais, digamos, interessante.
E qual a relação de ACROSS THE UNIVERSE com o universo g? Nada mais óbvio, afinal estamos falando de um musical, não? Mas há outras referências mais diretas, como a personagem Prudence (T.V.Carpio), que ao cantar "I Want to Hold your Hand" revela uma insuspeita paixão lésbica ainda no colegial, mostrando que a música dos Beatles ultrapassa sexo, idade, religião e período histórico. Este filme é um dos poucos do ano passado que certamente ficará na memória dos cinéfilos por um bom tempo, seja como referência ou como espetáculo. Talvez com umas duas ou três sequências musiciais a menos fosse perfeito, mas isso provavelmente seria pedir demais. Indicado ao Oscar de Melhor Figurino, ao Globo de Ouro como Melhor Filme - Comédia ou Musical e ao Grammy como Melhor Trilha Sonora para Cinema, é um entretenimento acima da média que merece ser descoberto e, principalmente, degustado com o maior deleite possível.
Across the Universe, EUA, 2007
(nota 8,5)
sábado, 16 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
C.R.A.Z.Y.
Como simplesmente não amar C.R.A.Z.Y.? Este, além de ser uma das produções mais premiadas da história do cinema canadense, é também uma emocionante mensagem de amor incondicional entre pais e filhos, irmãos e, acima de tudo, seres humanos. O amor em família, a descoberta de nossas identidades e a luta contra o preconceito, seja ele sexual, social ou religioso. Um libelo contra a intolerância e a ignorância, levada às telas numa obra comovente e muito bem realizada. Sem sombra de dúvidas, um dos melhores filmes dos últimos tempos (a se lamentar, apenas, a demora do filme em ser lançado no Brasil, em 2007, apesar de ter sido produzido dois anos antes!).
O diretor e roteirista Jean-Marc Vallée fez do propósito de levar C.R.A.Z.Y. às telas um objetivo pessoal, que lhe custou cerca de dez anos de investimentos, pesquisas, releituras do roteiro, filmagens e produção. E o resultado não poderia ser melhor, justificando todo o esforço envolvido. A trama nos apresenta uma família com cinco filhos homens, cada um batizado com um nome cuja inicial nos leva ao título do filme e também de uma das mais famosas canções de Patsy Cline, cantora endeusada pelo pai dos rapazes. Christian, Raymond, Antoine e Yvan são, na verdade, coadjuvantes, enquanto que acompanhamos esta vida atráves dos olhos e sentimentos de Zac, o quarto filho. Enquanto os demais se encaixam mais facilmente em estereótipos - o vagabundo, o esportivo, o nerd e o preguiçoso - Zac é o rebelde, o inovador, o contestador, o inquieto, o que entrará em conflito com o resto da família, e para evitar a separação irá sufocar seus próprios questionamentos de sexualidade, religiosidade e humanidade, até não mais suportar.
O mundo que enxergamos através de Zac é repleto de contradições, e justamente por isso é tão verdadeiro. Em plenos anos 70, em meio à liberação dos costumes e de repressões ideológicas, ele luta bravamente para tentar se encaixar num modelo pré-estabelecido, e assim garantir seu lugar naquele universo familiar. Isso, claro, até perceber que no final o sangue sempre acaba falando mais alto. E esta é a idéia que C.R.A.Z.Y. tenta levar ao seu espectador: quando o amor é verdadeiro e real, deve ser maior do que tudo, não importando quão limitadas sejam nossas referências e suposições.
Vencedor de mais de 35 prêmios internacionais, C.R.A.Z.Y. foi o representante oficial para concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro (é todo falado em francês) em 2005. Acabou não conseguindo a vaga, o que não faz a menor diferença. Tocante e mágico, místico e sensível, sexy e engraçado, singelo e abrangente, este é um filme que ultrapassa questões como homossexualidade, tradição, fraternidade e discriminação. É, sim, um longa que fala do sentimento mais nobre de todos, o puro amor, e somente por isso merece ser conhecido por todos. Por mais loucos que sejamos. Afinal, como já diz o ditado, ninguém de perto é muito normal!
C.R.A.Z.Y., Canadá, 2005
(nota 9)
O diretor e roteirista Jean-Marc Vallée fez do propósito de levar C.R.A.Z.Y. às telas um objetivo pessoal, que lhe custou cerca de dez anos de investimentos, pesquisas, releituras do roteiro, filmagens e produção. E o resultado não poderia ser melhor, justificando todo o esforço envolvido. A trama nos apresenta uma família com cinco filhos homens, cada um batizado com um nome cuja inicial nos leva ao título do filme e também de uma das mais famosas canções de Patsy Cline, cantora endeusada pelo pai dos rapazes. Christian, Raymond, Antoine e Yvan são, na verdade, coadjuvantes, enquanto que acompanhamos esta vida atráves dos olhos e sentimentos de Zac, o quarto filho. Enquanto os demais se encaixam mais facilmente em estereótipos - o vagabundo, o esportivo, o nerd e o preguiçoso - Zac é o rebelde, o inovador, o contestador, o inquieto, o que entrará em conflito com o resto da família, e para evitar a separação irá sufocar seus próprios questionamentos de sexualidade, religiosidade e humanidade, até não mais suportar.
O mundo que enxergamos através de Zac é repleto de contradições, e justamente por isso é tão verdadeiro. Em plenos anos 70, em meio à liberação dos costumes e de repressões ideológicas, ele luta bravamente para tentar se encaixar num modelo pré-estabelecido, e assim garantir seu lugar naquele universo familiar. Isso, claro, até perceber que no final o sangue sempre acaba falando mais alto. E esta é a idéia que C.R.A.Z.Y. tenta levar ao seu espectador: quando o amor é verdadeiro e real, deve ser maior do que tudo, não importando quão limitadas sejam nossas referências e suposições.
Vencedor de mais de 35 prêmios internacionais, C.R.A.Z.Y. foi o representante oficial para concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro (é todo falado em francês) em 2005. Acabou não conseguindo a vaga, o que não faz a menor diferença. Tocante e mágico, místico e sensível, sexy e engraçado, singelo e abrangente, este é um filme que ultrapassa questões como homossexualidade, tradição, fraternidade e discriminação. É, sim, um longa que fala do sentimento mais nobre de todos, o puro amor, e somente por isso merece ser conhecido por todos. Por mais loucos que sejamos. Afinal, como já diz o ditado, ninguém de perto é muito normal!
C.R.A.Z.Y., Canadá, 2005
(nota 9)
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