domingo, 23 de março de 2008

UM AMOR DE TESOURO

Mais uma comédia romântica chegando aos cinemas. E o que UM AMOR DE TESOURO tem de especial em relação às anteriores? Absolutamente NADA! É mais do mesmo, sem sombra de dúvidas. Então, por que assisti-la? Bem, talvez você não tenha nada melhor para fazer. Talvez já tenha visto todos os outros filmes em cartaz. Ou talvez queira somente ver Matthew McConaughey sem camisa. Em qualquer um destes casos, apesar de todos os elementos contrários, uma coisa é certa: você irá se divertir!

A trama não poderia ser mais básica: tesouro secular perdido no Caribe é perseguido por casal em crise. Na cola deles há um milionário entediado, uma pseudo celebridade em busca de ação, um rapper fora-da-lei e o antigo mentor do mocinho. Muita gente pra pouca coisa a ser feita. O que acontece, então? Muitos têm pouco tempo em cena - como o ótimo Ray Winstone (OS INFILTRADOS), aliás, o que ele faz aqui? - enquanto outros ficam andando de um lado para o outro como se estivessem literalmente perdidos - caso de Donald Sutherland, o pai de Kiefer Jack Bauer Sutherland, que deveria se concentar mais nos ótimos papéis que tem recebido na televisão (Commander in Chief, Dirty Sexy Money) e esquecer de vez o cinema. Para nós, espectadores, resta se divertir com o casal de cozinheiros gays (dá-lhe estereótipo, mas enfim...) ou com os protagonistas, McConaughey e Kate Hudson, que já haviam provado terem química de sobra juntos no inferior COMO PERDER UM HOMEM EM DEZ DIAS, e que demonstram claramente estarem aproveitando cada momento de sol, mar e alegria do set de filmagens!

UM AMOR DE TESOURO recicla vários outros sucessos recentes, a começar, claro, pela trilogia PIRATAS DO CARIBE (algumas seqüencias são idênticas a outras vistas em O BAÚ DA MORTE, o segundo filme da série). O diretor Andy Tennant mostra que tem algum domínio do assunto (no currículo do cara estão HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO, DOCE LAR e ANNA E O REI), apenas se preocupando em criar espaço para seu elenco brilhar. E já que não chega a atrapalhar, já saímos ganhando. É assumidamente cinema-pipoca, e talvez justamente por isso, pela baixa expectativa que gera, é que pode acabar ganhando alguns pontos dos desavisados - como foi meu caso. Entrei no cinema não esperando nada, e ainda levei de lucro algumas risadas e duas horas leves e descompromissadas. Não vai mudar a vida de ninguém, mas cumpre à contento o que promete. E honestidade em Hollywood é algo que deve ser levado em conta, sempre. E, claro, não esqueça: McConaughey está sem camisa!

Fool's Gold, EUA, 2008
(nota 6)




quarta-feira, 12 de março de 2008

O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN

O melhor filme do ano! Grande favorito ao Oscar 2006, nominado em oito categorias, entre elas Filme, Direção e Roteiro Adaptado! Campeão de indicações e principal vencedor do Globo de Ouro, premiado nas categorias de Melhor Filme (Drama), Melhor Diretor (Ang Lee), Melhor Roteiro e Melhor Canção Original! Premiado com o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza! Tudo isso, mais quarenta prêmios e outras dezenas de indicações: assim foi o impacto junto à crítica de O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN desde sua estréia, no final de 2006. E o público respondeu à altura – o faturamento só nos Estados Unidos ultrapassou em mais de cinco vezes o orçamento de US$ 14 milhões, baixíssimo para os padrões hollywoodianos. E depois de tudo isso, ‘a pergunta que não quer calar’: o filme justifica todo este estardalhaço? Certamente, e com sobra.

Pra quem não sabe, um resumo básico da trama: dois vaqueiros, Ennis Del Mar (um impressionante Heath Ledger, falecido recentemente e que aqui em nada lembra os tempos adolescentes de CORAÇÃO DE CAVALEIRO e DEZ COISAS QUE ODEIO EM VOCÊ) e Jack Twist (um ainda superior Jake Gyllenhaal, de O DIA DEPOIS DE AMANHÃ e O SUSPEITO, que se entrega com uma intensidade singular) são mandados para a tal Montanha Brokeback do título para uma temporada cuidando de um rebanho de ovelhas. Ambos nos seus vinte e poucos anos, começando a vida adulta, acabam se apaixonam um pelo outro. A relação, a princípio somente sexual, logo se transforma em carinho, solidariedade, amor. Porém estamos nos anos 60 do século passado, e o local é o interior do estado de Wyoming, região e tempo marcado pelo conservadorismo. O que significa que a vida não seria nada fácil para um casal homossexual. Por isso os dois se afastam quando o trabalho termina, indo cada um para um lado com a intenção de construir uma vida “normal”: com esposa, filhos, trabalho e muito tédio e insatisfação. Ambos tentam manter submersos os verdadeiros sentimentos que permeiam suas vidas, mas não são bem-sucedidos. Alguns anos se passam, e o destino tratará de colocá-los novamente lado a lado, para juntos construírem uma história tão íntima quanto universal.

Esta deve ser a primeira idéia a se ter a respeito de BROKEBACK MOUNTAIN: este não é um filme gay, simplesmente. Seu contexto é muito mais amplo e complexo. Trata-se um romance, acima de tudo, com tudo de bom e triste que esta expressão possa acarretar. São duas pessoas apaixonadas uma pela outra e que pela condição em que se encontram se vêem impossibilitadas de ficarem juntas. Poderia ser uma questão racial, de idade, religiosa ou familiar, como tantas outras ocasiões o cinema tão bem tratou de mostrar. Mas não, o foco desta vez é o sexo – no caso dois homens, completamente entregues um ao outro, no amor, na raiva, no sentimento de injustiça e na sensação de não saber qual o melhor rumo tomar. Não que eles não tentem – todos sempre tentam – mas o mundo lá fora é mais forte, ao menos na maior parte do tempo.

Tudo poderia ter dado errado. O diretor poderia não ter sensibilidade suficiente para lidar com o drama que tinha em mãos. O roteiro – baseado no texto de Annie Proulx – poderia abusar da ocasião e explorar outros ângulos mais rasos e menos nobres. Os atores envolvidos talvez não fossem dignos da tarefa a qual foram incumbidos, dotados dos mesmos receios que os personagens vivenciam na ficção. Ou, pior ainda, talvez o próprio mundo – a sociedade, a mídia, a indústria cultural – não estivesse pronto para se deparar com algo aparentemente tão explosivo e polêmico. Felizmente, no entanto, nenhuma destas percepções se confirmou. E o que vemos é um filme romântico, sim, mas que trata de temas identificáveis por qualquer audiência, não importando o sexo, a idade, o credo ou a ideologia do espectador. O necessário, aqui, é se despir de preconceitos e julgamentos cegos e se deixar abrir para uma realidade que nada tem de estranha ou exótica – muito pelo contrário, é, sim, basicamente comum a mim, a você e a qualquer um de nós. A mensagem de O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN é o puro e verdadeiro amor, contado com extrema competência por todos os envolvidos, assumido com coragem pelos talentos responsáveis e entregue com paixão à vida.


Brokeback Mountain, EUA, 2005
(nota 9,5)


sábado, 16 de fevereiro de 2008

ACROSS THE UNIVERSE

Os Beatles talvez sejam uma das referências pops mais influentes do último século. E o cinema faz questão de mostrar o quanto valoriza isso. Ao lado de filmes como YELLOW SUBMARINE e HELP (estrelados pela própria banda) e outros como FEBRE DA JUVENTUDE (que acompanha fãs tentando vê-los em sua primeira visita aos EUA), outras produções - mais recentes, inclusive - se apossam dos significados por eles emitidos em suas canções e letras para criar histórias novas e originais. Assim foi com UMA LIÇÃO DE AMOR, estrelado por Sean Penn e Michelle Pfeiffer e com uma trilha sonora composta apenas por clássicos dos rapazes de Liverpool, agora reinterpretadas numa visão "ano 2000". Mas nenhum foi tão radical quanto ACROSS THE UNIVERSE, um musical original e criativo pontuado apenas por algumas mais belas e envolventes composições de Lennon e McCartney (ops, há uma também do George!). Oferecendo um visual único para muitas destas melodias, o longa ainda consegue proporcionar um divertimento singular e precioso, seja para fãs como também para novatos na "beatlemania".

Jude (o novato e competente Jim Sturgees), filho de mãe solteira, decide deixar Liverpool e seguir para os Estados Unidos tentar a vida e, quem sabe, conhecer o pai, um americano que esteve na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial. Ao chegar seus sonhos mais ou menos começam a se realizar. O pai está longe de ser o herói que imaginava - é o zelador de uma universidade, tem outra família e pouco quer saber sobre o filho que desconhecia. Mas estamos em plenos anos 60, época de revoluções e rebeldia, onde todos se conhecem e são amigos. Logo faz amizade com outro jovem, e com ele decide ir para Nova York explorar o mundo! Nesse meio tempo se apaixona pela irmã do amigo (Evan Rachel Wood, de AOS TREZE), que acaba indo morar com eles numa "república hippie". Mas aquele mundinho ideal em que tudo seria possível aos poucos começa a entrar em conflito com a realidade: guerra do Vietnã, Watergate, Kennedy, passeatas, manifestações, política e luta. E eles precisarão se esforçar para encontrar o lugar deles nesta nova sociedade em formação.

E como este processo é feito? Através de "With a Little Help from my Friends", "Helter Skelter", "If I Fell", "Something", "Strawberry Fields Forever", "Happines is a Warm Gun" e tantas outras memoráveis canções. Se muitas delas irão provocar sorrisos inevitáveis até no espectador mais resistente, é praticamente impossível resistir aos momentos mais fortes do filme: "Come Together", "Let it Be", "Hey Jude" e "All You Need is Love". Ou seja: as letras originais foram muito pouco alteradas, e se encaixam perfeitamente na história que está sendo contada, revelando uma sincronia perfeita entre as mensagens dos quatro amigos ingleses e da visão proposta pela diretora Julie Taymor (FRIDA), uma artista de forte apuro estético e muito bom gosto - mesmo que este em alguns instantes cheguem a ofuscar o desenvolvimento do enredo em prol de uma aparência mais, digamos, interessante.

E qual a relação de ACROSS THE UNIVERSE com o universo g? Nada mais óbvio, afinal estamos falando de um musical, não? Mas há outras referências mais diretas, como a personagem Prudence (T.V.Carpio), que ao cantar "I Want to Hold your Hand" revela uma insuspeita paixão lésbica ainda no colegial, mostrando que a música dos Beatles ultrapassa sexo, idade, religião e período histórico. Este filme é um dos poucos do ano passado que certamente ficará na memória dos cinéfilos por um bom tempo, seja como referência ou como espetáculo. Talvez com umas duas ou três sequências musiciais a menos fosse perfeito, mas isso provavelmente seria pedir demais. Indicado ao Oscar de Melhor Figurino, ao Globo de Ouro como Melhor Filme - Comédia ou Musical e ao Grammy como Melhor Trilha Sonora para Cinema, é um entretenimento acima da média que merece ser descoberto e, principalmente, degustado com o maior deleite possível.

Across the Universe, EUA, 2007
(nota 8,5)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

C.R.A.Z.Y.

Como simplesmente não amar C.R.A.Z.Y.? Este, além de ser uma das produções mais premiadas da história do cinema canadense, é também uma emocionante mensagem de amor incondicional entre pais e filhos, irmãos e, acima de tudo, seres humanos. O amor em família, a descoberta de nossas identidades e a luta contra o preconceito, seja ele sexual, social ou religioso. Um libelo contra a intolerância e a ignorância, levada às telas numa obra comovente e muito bem realizada. Sem sombra de dúvidas, um dos melhores filmes dos últimos tempos (a se lamentar, apenas, a demora do filme em ser lançado no Brasil, em 2007, apesar de ter sido produzido dois anos antes!).

O diretor e roteirista Jean-Marc Vallée fez do propósito de levar C.R.A.Z.Y. às telas um objetivo pessoal, que lhe custou cerca de dez anos de investimentos, pesquisas, releituras do roteiro, filmagens e produção. E o resultado não poderia ser melhor, justificando todo o esforço envolvido. A trama nos apresenta uma família com cinco filhos homens, cada um batizado com um nome cuja inicial nos leva ao título do filme e também de uma das mais famosas canções de Patsy Cline, cantora endeusada pelo pai dos rapazes. Christian, Raymond, Antoine e Yvan são, na verdade, coadjuvantes, enquanto que acompanhamos esta vida atráves dos olhos e sentimentos de Zac, o quarto filho. Enquanto os demais se encaixam mais facilmente em estereótipos - o vagabundo, o esportivo, o nerd e o preguiçoso - Zac é o rebelde, o inovador, o contestador, o inquieto, o que entrará em conflito com o resto da família, e para evitar a separação irá sufocar seus próprios questionamentos de sexualidade, religiosidade e humanidade, até não mais suportar.

O mundo que enxergamos através de Zac é repleto de contradições, e justamente por isso é tão verdadeiro. Em plenos anos 70, em meio à liberação dos costumes e de repressões ideológicas, ele luta bravamente para tentar se encaixar num modelo pré-estabelecido, e assim garantir seu lugar naquele universo familiar. Isso, claro, até perceber que no final o sangue sempre acaba falando mais alto. E esta é a idéia que C.R.A.Z.Y. tenta levar ao seu espectador: quando o amor é verdadeiro e real, deve ser maior do que tudo, não importando quão limitadas sejam nossas referências e suposições.

Vencedor de mais de 35 prêmios internacionais, C.R.A.Z.Y. foi o representante oficial para concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro (é todo falado em francês) em 2005. Acabou não conseguindo a vaga, o que não faz a menor diferença. Tocante e mágico, místico e sensível, sexy e engraçado, singelo e abrangente, este é um filme que ultrapassa questões como homossexualidade, tradição, fraternidade e discriminação. É, sim, um longa que fala do sentimento mais nobre de todos, o puro amor, e somente por isso merece ser conhecido por todos. Por mais loucos que sejamos. Afinal, como já diz o ditado, ninguém de perto é muito normal!

C.R.A.Z.Y., Canadá, 2005
(nota 9)





domingo, 6 de janeiro de 2008

MORTE NO FUNERAL

Frank Oz já tem garantido seu espaço na memória de todo bom cinéfilo pelo seu desempenho como um dos personagens mais marcantes do cinema hollywoodiano: é dele a voz de Yoda, o sábio mestre jedi de frases invertidas da saga STAR WARS. Mas além de dublador (nos seus créditos aparecem participações em filmes como ZATHURA e MONSTROS S.A. e em séries como VILA SÉSAMO e OS MUPPETS), Oz é um cineasta de extenso currículo, responsável por sucessos como NOSSO QUERIDO BOB e OS PICARETAS e fracassos como A CARTADA FINAL e MULHERES PERFEITAS. E depois desse último desastre, que quase acabou com a carreira de Nicole Kidman, decidiu se refugiar na Inglaterra para dirigir uma legítima comédia britânica de baixo orçamento, sem grandes astros, porém com um humor muito mais corrosivo e sarcástico, mas, ainda, contando com um previsível final feliz, mesmo que às avessas. E ele até que se sai bem!

Após a morte do pai, Daniel (Matthew MacFadyen, de ORGULHO & PRECONCEITO) tem como principal preocupação realizar um serviço fúnebre à altura. Mas ele não tem somente isso em mente: há o que fazer com a mãe, os anseios da esposa que quer se mudar e o irmão (Rupert Graves, de V DE VINGANÇA), famoso romancista, que está vindo dos Estados Unidos para a ocasião. E, claro, em receber bem todos os parentes que também devem marcar presença para um último adeus.

Entre estes está a prima decidida em se casar com o namorado, mesmo contra a vontade do pai. E, para acabar com o nervosismo do rapaz, que irá enfrentar o futuro sogro, ela lhe dá uns tranquilizantes pegos ao acaso na casa do irmão, que estuda farmácia. O que ela não sabe é que aqueles comprimidos não são calmantes, e sim ecstasy. Com isso dá pra se ter uma idéia do que o coitado irá aprontar durante a cerimônia, de alucinações sobre sons vindos de dentro do caixão até terminar completamente nu desfilando pelo telhado da casa!

Mas a maior confusão estará representada por um ilustre desconhecido - um anão (Peter Dinklage, de O AGENTE DA ESTAÇÃO). E ele está ali por um motivo que provocará choque e surpresa: ele era amante do falecido! Portado de fotos que comprovam a relação homossexual paterna que ninguém desconfiava, ele exige fazer parte daquela união familiar - caso contrário seu silêncio até poderia ser providenciado, mas a um alto preço!

Confusões, desentendimentos, trapalhadas, enganos e outros previsíveis clichês do gênero "reencontro de família" estão presentes. O que fará o diferencial é a forma impiedosa como eles se apresentam: praticamente ninguém chegará ao fim desta reunião ileso, sem que sua honra - ou mesmo crença - seja abalada. Com um elenco bastante coeso e com um bom timing para este tipo de comédia, um roteiro bem estruturado e sem vergonha de usar suas próprias obviedades a seu favor, Frank Oz consegue voltar a um gênero que domina com precisão (é dele também o ótimo - e superior - SERÁ QUE ELE É?), confrontando preconceitos e verdades absolutas com graça e ironia. E o resultado, apesar de pouco memorável, acaba sendo melhor do que se poderia esperar.

Death at a Funeral, EUA/Reino Unido/Alemanha/Holanda, 2007
(nota 6,5)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO

Cate Blanchett e Judi Dench são duas das maiores atrizes da atualidade, e disso ninguém tem dúvida. Portanto, quando surgiu a notícia de que elas estariam juntos num mesmo filme, como não deixar as expectativas subiram nas alturas? E NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO, o resultado deste encontro, é uma grata surpresa - mesmo que, infelizmente, provoque alguma decepção. Mesmo assim, o resultado geral justifica qualquer lamentação, e qualquer deslize é ínfimo e não chega perto de marcar negativamente o trabalho impecável das duas - ambas, felizmente, indicadas ao Oscar.

Primeiro, fui ler o livro. Best seller de Zöe Heller, foi lançado no Brasil com o título ANOTAÇÕES SOBRE UM ESCÂNDALO, pela Editora Record. Aliás, este é um hábito que tenho, sempre procuro pautar minhas leituras em futuros lançamentos cinematográficos. E o livro é... MUITO BOM! Muito bom, mesmo! Conta, com riqueza de detalhes, a história de uma professora que entra numa escola inglesa com a missão de ensinar artes. Ela tem pouca experiência, e acaba criando uma amizade com uma das mais antigas professoras do lugar, uma solteirona que se encanta com a atenção recebida e passa a desenvolver um interesse "especial" pela nova colega, numa fixação que combina atração sexual com extremos de carência. Porém este desejo logo se transforma em revolta quando descobre o tal "escândalo" do título: a novata acabou tendo um caso com um dos alunos, um garoto de 15 anos. Na posse deste segredo, passa a manipular a 'amiga' para obter dela tudo que deseja: carinho, dedicação, companheirismo. Porém, num passo em falso, coloca tudo a perder numa tentative fútil de vingança. E, com tudo revelado, terá que agir com cuidado para manter o que havia "conquistado" até então.

A adaptação de Patrick Marber (autor de CLOSER-PERTO DEMAIS), num roteiro indicado ao Oscar, e a direção de Richard Eyre (dos ótimos A BELA DO PALCO e ÍRIS), respeitam rigidamente a estrutura do romance, porém preferem centrar a atenção nos desempenhos irrepreensíveis das atrizes do que na ação discorrida. Ou seja, esta é a maior falha da versão cinematográfica: sua pouca duração (são apenas 90 minutos) para um drama que discorre por quase 400 páginas literárias. Os eventos inevitavelmente terminam por se atropelarem, e o espectador, ainda mais aquele que desconhece a trama previamente, deve ficar com algumas questões mal resolvidas em mente - dados estes que estão no livro, e não na tela.

Mas, ao assistir a um filme, devemos pensar nele enquanto obra cultural independente, e não ligada a uma outra fonte, seja ela uma peça teatral, um fato real, uma música, uma notícia de jornal ou, claro, um livro. E, enquanto produto cinematográfico, NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO é, sim, acima da média. Só pela trilha sonora de Philip Glass (KUNDUM), também indicada ao Oscar, já valeria o ingresso. Mas o maior mérito é mesmo conferir Dench e Blanchett, no auge de suas formas, dando vida a duas personagens complexas, interessantíssimas e bastante singulares. Cada meio olhar, cada movimento no cabelo, cada roçar de dedos... tudo tem relevância na atuação delas. Na festa do Oscar, Judi enfrentou um peso-pesado (a fabulosa Helen Mirren, por A RAINHA), mas ver Blanchett perder sua estatueta para a impactante, porém melhor cantora do que atriz, Jennifer Hudson (DREAMGIRLS), me remete a quando Catherine Zeta-Jones (CHICAGO) ganhou o Oscar que deveria ter sido de Meryl Streep (ADAPTAÇÃO). São estrelas da vez, que acabam por obscurecer trabalhos superiores, porém encarados de forma mais "convencional". E injustiças assim não são excessões, e na história do maior prêmio da indústria cinematográfica mundial elas se repetem com uma freqüência muito maior do que gostaríamos. E não há nada a ser feito a respeito, além de alertas como este.

NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO pode ser um pouco apressado, deixando alguns elementos no ar, mas é um impactante estudo sobre a solidão humana, e como tal deve ser percebido. Com duas fantásticas atrizes à frente do elenco, é daqueles filmes que merecem ser vistos com carinho e muita delicadeza. Pode não ter ganho nenhum dos quatro Oscars a que concorria, mas certamente irá ganhar um espaço importante entre outros iguais, como o perturbador O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? e o belo AS HORAS.

Notes on a Scandal, Reino Unido, 2006
(nota 8,5)





quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!

EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! tinha tudo para ser o filme mais homofóbico e preconceituoso do ano. Afinal, a trama não é das mais "iluminadas". Senão, veja bem: dois bombeiros - uma das profissões que mais "povoam" o imaginário gay - decidem se casar, apesar de serem heterossexuais, apenas para que um deles consiga benefícios do governo. Como são vítimas de suspeita, precisam fingir que são homossexuais apaixonados, abusando de todos os clichês e estereótipos do gênero. Sim, está tudo lá, por mais previsível e bizarro que possa parecer. Mas, mesmo assim, o resultado não é dos piores, e no final o que acaba prevalecendo é a mensagem de tolerância e respeito, uma discussão sempre saudável de ser levantada.

O maior medo nem era o tema em si, mas nas mãos de quem ele estava depositado. Afinal Adam Sandler - assim como Jim Carrey ou Will Farrell, por exemplo - pode até ser um bom ator em projetos "sérios" (como no surpreendente EMBRIAGADO DE AMOR), mas o humor que emprega nas comédias é, via de regra, escrachado, pastelão e ofensivo. Este mesmo tom também se faz presente aqui, mas de modo muito mais leve, e ainda assim dentro de um propósito, visando a transformação dos protagonistas.

Sandler faz o machão conquistador que teve sua vida salva em trabalho pelo colega e por isso acaba aceitando o pedido maluco. Kevin James (HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO) é viúvo e com duas crianças para criar. Como não está conseguindo incluir os filhos no plano de saúde, descobre que a maneira mais fácil para que isso aconteça é se casando novamente - e daí a idéia de chamar o amigo. Já a estonteante Jessica Biel (O ILUSIONISTA) é a advogada chamada para ajudá-los na defesa, ao mesmo tempo que, mesmo sem saber, estará atrapalhando os planos dos dois, já que vira objeto de desejo do mais assanhado. Aos poucos o falso casal gay vai se envolvendo no mundo gls, e neste processo se vê - e juntamente o espectador - superando as falsas idéias pré-concebidas, descobrindo uma nova realidade e adquirindo uma sensibilidade até então insuspeita.

Se Dennis Dugan provavelmente nunca será um diretor de renome (é responsável por filmes como O PAIZÃO e OS ESQUENTA-BANCOS) e os dois protagonistas não inspiram muito respeito, há três outros nomes que nos fazem repensar qualquer opinião apressada sobre EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!. Primeiro é o do roteirista Alexander Payne, vencedor do Oscar por SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS e diretor de obras elogiadas como AS CONFISSÕES DE SCHMIDT e ELEIÇÃO. Ele é o principal crédito por trás do enredo do filme, tendo escrito a maioria dos diálogos e o argumento inicial. Isso indica a natureza da trama, que mesmo coberta por piadas rápidas e visuais, é dotada de uma profundidade razoável. E por fim tem-se a dupla Richard Chamberlain (ator de PÁSSAROS FERIDOS) e Lance Bass (cantor do grupo N'Sync), duas celebridades que há pouco se assumiram como homossexuais e atualmente são ativistas gls. Suas participações são pequenas, mas elas certamente não teriam se envolvido neste projeto caso considerassem ofensivo e contrário a uma causa que tanto defendem.

E, acima de tudo, é importante ter algo em mente: EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! é uma comédia feita para grandes públicos. Assim sendo, é até louvável perceber como consegue escapar da superficialidade que impera neste gênero, mesmo que atingindo suas intenções originais. Tanto que somou mais de US$ 117 milhões somente nas bilheterias norte-americanas. E se o sucesso popular estiver acompanhado de uma lampejo de mensagem contra a discriminação e a favor das diferenças, já é ótimo. Mesmo que seja com a cara do Adam Sandler à frente do elenco!

I Now Pronounce You Chuck and Larry, EUA, 2007
(nota 6)